7 de junho de 2022 escrito por: Marcia Regina Nunes de Souza
Há sempre um criminoso tentando surrupiar dinheiro das nossas contas bancárias. São centenas de arapucas desse tipo, mas hoje vamos falar especificamente do golpe do display.
Ele acontece quando vendedores, em geral ambulantes (mas não só eles), desonestos, se valendo de abordagens insistentes e não raro apelativas, conseguem fazer uma venda. O comprador saca seu cartão plástico para o pagamento e se inicia o seu calvário.
O adquirente não sabe, mas o vendedor-bandido corrompeu o visor da sua maquineta de cartão de débito ou crédito, inserindo no display alguma sujeira, ou uma rachadura, ou embutindo outro display sobre o original, ou ainda inserindo um adesivo especial. Tudo de forma a esconder os dígitos que ele introduzirá na maquineta adulterando o valor para maior. Assim, num gasto de R$ 100,00 (cem reais), o meliante digita R$ 1.100,00 (mil e cem reais).
O consumidor olha o display, não percebe o visor desnaturado, supõe estar vendo o valor correto do dispêndio, digita sua senha pessoal. Enfim, a engabelação é estudada, não sendo fácil a verificação do engodo.
Pronto, a vítima acabou de ser desfalcada em R$ 1.000,00 (mil reais).
Algumas vezes o malandro já estudou a posição do sol ou se vale de um lugar à semi-luz para realizar a operação, de modo a dificultar que o freguês perceba o visor corrompido. Tudo isso é feito em meio ao alarido da conversa do estelionatário, geralmente acompanhado por seus comparsas.
Se o pagante pedir o comprovante do pagamento, o golpista alegará que a máquina está sem papel, ou algo do gênero, mas obviamente nunca haverá comprovante, que acusaria o real valor que foi digitado na maquineta.
A pergunta é: fui vítima desse golpe, tenho direito à indenização? Entendemos que sim. Contudo, há decisões judiciais que concluem pela responsabilidade total do cidadão, segundo o argumento de que ele realizou a compra com cartão com chip magnético e sua aposição de senha. Percebemos essa conclusão é altamente falaciosa. Por quê?
Ora, aqueles que utilizam os serviços bancários não podem ser os únicos responsáveis pela falibilidade do cartão plástico, um aparato criado pelo sistema financeiro, que lhe traz lucros de máxima expressão, e, como todo e qualquer instrumento, não é imune à fraude. Tanto sua segurança é frágil, que são dezenas de emboscadas diariamente praticados através dele.
Se se conceber válido, perfeito e eficaz todo e qualquer pagamento realizado com cartão plástico contendo chip magnético e a aposição de senha, se estará imputando ao consumidor, ainda que frente a uma situação onde ele foi alvo de um crime, a responsabilidade integral; ou seja, cabe a ele, hipossuficiente, arcar com todos os riscos, prejuízos e falhas advindos desse meio de pagamento. Essa dura forma de responsabilidade sequer é atribuída aos fornecedores.
Mas existem situações outras em que se está frente a falhas graves da instituição bancária, a saber:
Outrossim, no caso das seguintes falhas da instituição bancária, é patente a sua responsabilidade pelo reembolso da quantia rapinada da conta bancária sob sua guarda:
– Inobservância do perfil de gastos do cliente: ocorre quando o banco autoriza uma operação de pagamento realizada totalmente fora do perfil de gasto do consumidor. Digamos: o gasto do usuário em determinado cartão é de cinco mil reais, dividido entre dezenas de compras pequenas. Mesmo assim, a casa bancária libera, de uma feita, uma única expensa no valor de cinco mil reais. Houve, deste modo, falha no seu sistema de segurança, que não detectou sinais de irregularidade e liberou valores sem a confirmação do titular da conta. Negligência e imperícia que implicam dever de indenizar;
– Inobservância dos hábitos de consumo do cliente: ocorre quando o banco autoriza a prática de um ato que não guarda identidade com os hábitos de compra do utilizador do cartão. Por exemplo, em se realizando no exterior, ou de madrugada, ou no fim de semana ou sem parcelamento quando o usuário daquele cartão não possui registro de operações nesses moldes. O sistema de segurança não detectou indícios de fraude e tentou contato com o dono da conta. Negligência e imperícia que implicam dever de indenizar;
– Transferência de valores em cascata: ocorre quando o banco autoriza a feitura de gastos em sequência, principalmente em se tratando de valores incomuns à movimentação ordinária do cliente; exemplificando, é feito um dispêndio de três mil reais, seguido imediatamente por outro de dois mil reais, e outro de mil reais. Isso mostra que o sistema tecnológico da instituição bancária não sinalizou o ardil, liberando dinheiro sem prévio contato com o correntista. Negligência e imperícia que implicam dever de indenizar.
Cabe ressaltar que dentro do seu porte econômico, as instituições financeiras dispõem de recursos e know-how às largas para conhecer em primeira mão as atividades criminosas que visam seu negócio. Porém, lhes falta interesse e diligência em transmitir essas informações aos usufrutuários do seu serviço, de forma constante e eficaz. Essa conduta poderia ser adotada sem maiores dificuldades, valendo-se os bancos dos canais de comunicação direta com a população, como aplicativo, whatsapp, email, mas também dos meios que difundem informação, como redes sociais, rádios, televisão e outdoor
Essa importante falta-negligência do sistema financeiro não vem sendo considerada pelo Judiciário.
As instituições financeiras também não levam em conta o histórico da pessoa vitimada, para fins de prova de sua boa-fé objetiva. Muitas vezes se trata de alguém com um longo relacionamento com o banco, certo se tratar de um indivíduo honesto e cumpridor de seus deveres, e/ou que detém um emprego estável e/ou patrimônio, e/ou não figura nos registros de maus pagadores. Nada disso é considerado pela casa argentária como elemento a mitigar o prejuízo do lesado. Nesse norte, o lucro é do banqueiro e o prejuízo é de todos nós.
Em conclusão, compreendemos que se impõe a procedência do pedido indenizatório movido pelo correntista vítima do golpe do display, devendo ele demonstrar ter agido de boa-fé e não haver cooperado com a artimanha, uma vez que ele se comportou com a diligência exigida do homem médio. Sem dúvida a instituição financeira pode realizar prova em contrário. Já em casos onde o sistema de segurança do ente bancário quedou-se inerte frente a uma operação que possuía fortes indícios de fraude, entendemos inexistir margem à discussão acerca do dever de indenizar.
Escrito por Marcia Regina Nunes de Souza, OAB/PR 12.509 e Victor Leonardo Sant’Anna Falce de Macedo, OAB/PR 101.494, integrantes do escritório MARCIA NUNES ADVOCACIA
Sou a Marcia. Advogada. Há 33 anos eu fundei meu escritório de advocacia em Curitiba, sonhando em atuar só em processos de indenização. Deu certo. De lá prá cá faço isso todo dia. Trabalho com indenização. De todos os tipos, modos e jeitos.
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